O GDRAR – Grupo Desportivo e Recreativo André de Resende de Évora empenhado em desenvolver a atividade desportiva regionalmente, designadamente o basquetebol, vem deste forma apresentar ‘crónicas de opinião’ que ajudem a refletir a paixão pelo jogo, mas igualmente propor estratégias que ajudem a fazer crescer sustentadamente modalidade que nos é tão querida.
Nesse sentido iremos começar por transcrever um artigo de opinião, integrado na Convenção Europeia de Minibasquete – FPB/FIBA realizado em 1 a 3 e junho de 2018 em Matosinhos, o Treinador e Pedagogo SAN PAYO ARAÚJO, no qual foi desafiado encontrar argumentos para a questão:
PORQUE MINIBÁSQUETE (MB) EM VEZ DE OUTROS DESPORTOS?
1. A escolha de uma medida ou modelo para comparar “Só posso dizer, que do ponto de vista educativo, uma modalidade é melhor ou pior, se definir um modelo de educação no qual acredito e a partir do qual vou comparar as diferentes modalidades .”
Esta reflexão resulta da minha longa experiência, assim como da influência, que a intervenção da psicóloga Elisabeta Reato no FIBA Europe Get together de 2007, subordinada ao tema “Why not Basketball instead of other sports? “, teve nos meus pensamentos.
Antes de entrar na interpretação dos valores e das situações de aprendizagem que o minibásquete, comparativamente a outras modalidades envolve, vou centrar-me nos pressupostos desta análise .
1º – Em primeiro lugar subscrevo, e como continuam a meu ver atuais, as palavras do Prof. Mário Lemos que em entrevista ao Jornal “Record” de 20.05.72 falando sobre minibásquete afirmou que esta atividade se encontra “numa fase da formação humana em que os educadores terão possibilidade de atuar promovendo situações, que levem as crianças a adquirir com naturalidade uma nova forma de estar na sociedade em que vivemos. “
2° – Pessoalmente, acredito que quem educa tem de se preocupar em educar para a autonomia, para a cidadania e finalmente o mais difícil, que cada um de nós consiga encontrar dentro de si a felicidade.
Se uma criança à medida, que vai crescendo se tornar autónoma, for boa cidadã e feliz, que mais podem querer os educadores? Não é fácil ensinar comportamentos, e o valor mais difícil de transmitir é a felicidade. Conheço adultos autónomos, bons cidadãos, mas não são felizes. A felicidade terá de ser procurada dentro de cada um. O ser humano é um ente eminentemente social, mas se não souber procurar e encontrar dentro de si a felicidade, ficará muito exposto ao mundo exterior e às circunstâncias que o rodeiam.
3° – Finalmente eu só posso dizer, que do ponto de vista educativo uma modalidade é melhor ou pior, se definir um modelo de educação no qual acredito e a partir do qual vou comparar as diferentes modalidades. Falando de desportos coletivos eu defendo que na fase da formação a atividade desportiva deve estar assente nos seguintes valores: Promoção simultânea da autonomia/independência, versus capacidade de cooperação e colaboração e igualdade de oportunidades para todos os participantes . Será a partir destes conceitos, que irei comparar diversas modalidades coletivas.
2. A AUTONOMIA E COOPERAÇÃO!
Porquê minibásquete em vez de outras modalidades? A autonomia e a cooperação! Será que todos os jogos desportivos coletivos desenvolvem da mesma forma a autonomia e a cooperação? Uma das grandes vantagens, em termos educativos, dos jogos desportivos coletivos relativamente às modalidades de cariz individual reside numa inevitável maior implicação da cooperação e espírito de entreajuda. Mas será que todas as modalidades coletivas desenvolvem da mesma forma a cooperação/colaboração versus capacidade de autonomia/independência? No MB quando uma criança recebe a bola tem autonomia para, se deslocar com a bola, ou seja driblar, passar a um companheiro e lançar. Na fase de iniciação do jogo, normalmente, as crianças quando recebem a bola, tem uma de duas reações que revelam ou excesso de autonomia ou excesso de cooperação. A situação mais comum é a do excesso de autonomia, e verifica-se quando uma criança ao receber uma bola, dribla para o espaço vazio até ao limite das suas capacidades, que normalmente resulta do envolvimento dos outros participantes, companheiros e adversários, que a rodeiam e lhe retiram espaço de ação. Nessa altura interrompe o drible e “aflita” procura um companheiro a quem passar a bola. A situação mais frequente duma criança que quer participar no jogo, mas apenas para cooperar, tendo muito pouca autonomia, pode ser observada, quando uma criança recebe a bola e esta parece que “queima ” e como tal procura de imediato a quem passar a bola. Nas duas situações descritas as crianças não compreenderam ainda bem a relação adequada entre a autonomia e a cooperação, pela qual se devem reger as suas ações dentro do jogo. No primeiro caso a criança tem capacidade de iniciativa e autonomia, parte positiva da sua reação, mas na maioria dos casos, apenas quer a bola para seu “deleite” e depois é que procura a cooperação. No segundo caso a criança apenas quer cooperar com a equipa, o que numa modalidade coletiva é um bom princípio, mas tem muito pouca autonomia. Nestas duas situações cabe ao treinador elogiar o que de bem as crianças em causa fizeram e corrigir o que de mal realizaram. Se compararmos o basquete, por exemplo com o voleibol verificamos que no valei a possibilidade de desenvolver autonomia de uma criança é muito menor. A criança quando recebe uma bola apenas pode passar a Bola para um companheiro ou passar para o campo do adversário, aí termina a sua autonomia. Se compararmos o basquete com o andebol ou futsal, nestas modalidades a criança também pode progredir com a bola, passar ou rematar. Estas situações assumindo ações motoras diferenciadas, são verdadeiras para qualquer desporto de invasão. Contudo, aqui entra outro conceito que vai diferenciar o andebol e futsal do basquete que é o fator da igualdade. Nestas modalidades, andebol, futsal ao terem necessidade de um guarda-redes, existe logo desde o início uma diferenciação na igualdade de oportunidades para os participantes no jogo. Mas a análise da comparação destas modalidades à luz da igualdade de oportunidades deixemos para o próximo capítulo de intervenção sobre este tema.
3. LIBERDADE E IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
Para que este artigo tenha sentido, para quem não leu os anteriores convém relembrar que afirmei que só posso dizer que do ponto de vista educativo que uma modalidade é melhor ou pior, se definir um modelo de educação no qual acredito e a partir do qual vou comparar as diferentes modalidades. Como referi, e falando de desportos coletivos é a minha convicção que na fase da iniciação e formação a atividade desportiva deve estar assente nos seguintes valores:
– Promoção simultânea da autonomia /Independência versus Capacidade de cooperação e colaboração;
– Igualdade de oportunidades para todos os participantes;
-Possibilidade de interação total entre todos os intervenientes do jogo.
Se em termos de autonomia e cooperação, como mencionamos no artigo com esse título, não existem grandes diferenças entre modalidades que são de invasão; em termos de igualdade de oportunidades, liberdade espaço e de interação entre todos os participantes, (companheiros de equipa e adversários), existem diferenças substanciais entre o basquetebol e as outras modalidades de invasão praticadas em pavilhão, como por exemplo, o andebol, futsal e hóquei patins. No basquetebol todos os participantes no jogo têm a liberdade de percorrer todo o campo, ou seja, o espaço em que as ações do jogo decorrem é o mesmo para todos. Este facto permite que os participantes do jogo companheiros de equipa e adversários possam interagir livremente todos uns com os outros. Se pensarmos no futsal e hóquei em patins, verificamos que ao contrário do andebol também não há limitações de espaço, mas o facto destas modalidades terem um guarda-redes implica logo à partida que pelo menos um dos participantes não tenha as mesmas oportunidades que os outros. Este não só, não interage com o guarda-redes da outra equipa, como fica muito limitado no seu espaço e ações. Outra das características que diferencia o jogo de basquetebol relativamente às modalidades referidas, reside no facto de o alvo estar colocado na horizontalidade e num plano visual elevado. Esta circunstância obriga a um enriquecimento do campo visual que não é apenas na horizontal para ver no espaço os movimentos dos companheiros e o alvo. No basquetebol para além do campo visual horizontal é necessário olhar para cima para ver o alvo. Finalmente também nas regras em termos de igualdade de oportunidades para os participantes, também o basquetebol e principalmente o minibasquete é mais rico que as outras modalidades de invasão ,mas a análise da comparação das regras à luz da igualdade de oportunidades deixamos para o capítulo seguinte.
4. O LUGAR DA CRIANÇA É DENTRO DE CAMPO
Nos artigos anteriores, analisámos a riqueza do minibásquete relativamente ao espaço, tarefas e possibilidades de interação. Para aumentar o seu valor educativo as regras do jogo também devem promover a igualdade de oportunidades . O que prende a criança à modalidade é a possibilidade de jogar. No minibásquete o lugar da criança é dentro do campo. Na sequência deste princípio as regras devem também elas promover a igualdade de oportunidades, o mesmo tempo de jogo para todos os participantes. O minibásquete foi introduzido na Europa, quando as equipas de basquetebol eram compostas, apenas por 10 jogadores e não 12 como atualmente . Nessa época, meados dos anos sessenta o jogo oficial era jogado em duas partes de 20 minutos e não em 4 períodos de 1O minutos. Desde a sua origem, decidiu-se que o MB era para ser jogado em 4 períodos de 1O minutos e todos os participantes, dez por equipa obrigatórios, tinham de jogar o mesmo tempo. Porquê? A resposta só pode ser uma e inequívoca, é porque o mais importante é que todas as crianças jogassem e tivessem a mesma igualdade de oportunidades . Se o mais importante
fosse vencer os jogos não havia necessidade de alterar as regras e jogavam apenas, como nos seniores, os mais aptos e os outros como se diz na gíria, “abancavam” . Vem esta abordagem a propósito, que desde a sua génese o MB, que foi claramente o precursor, de formas adaptadas do jogo para crianças, ter compreendido que era decisivo, o que era mais importante, é que fossem dadas igualdades de oportunidades a todas as participantes e não apenas aos que, naquele momento, são mais fortes e aptos. Ainda na perspetiva da igualdade de oportunidades existe outra regra, e esta também existente no basquetebol, que difere de todas as outras modalidades. Quando uma criança vai lançar e sofre uma falta, é o praticante, que criou a situação que vai para a linha de lance livre. Nas outras modalidades quando um jogador sofre uma falta passível de uma grande penalidade ou livre de sete metros, não é a criança que construiu a oportunidade que vai executar a penalidade, mas um jogador escolhido pelo treinador. Para ter sentido, para ser encarado como um processo educativo e de formação, o minibásquete tem de ser uma atividade para todas as crianças e deve preservar ao máximo este espírito de igualdade de oportunidades para todos os participantes, se assim não for o minibásquete perde muito da sua riqueza. No MB tem de haver igualdade de oportunidades, pois o lugar das crianças é dentro do campo.
5. PORQUE QUEREM AS CRIANÇAS JOGAR MINIBASQUETEBOL?
Se conseguirmos juntar à riqueza do minibásquete, qualidade na intervenção dos treinadores, teremos mais minibásquete, e mais importante do que isso, crianças mais saudáveis e felizes.
Com este texto termino a sequência de artigos sobre a riqueza do minibásquete e sobre as razões pelas quais, partindo do modelo de educação anteriormente enunciado, defendi, que esta modalidade em comparação com outras, é mais rica do ponto de vista pedagógico e educativo .
No entanto será que esse valor acrescentado do minibásquete relativamente a outras modalidades é o fator decisivo para que pais e crianças, depois de experimentarem a atividade, se fidelizem ao minibásquete?
Nas intervenções e ações de formação, em que abordo este tema, normalmente termino com o seguinte desafio/pergunta. Imaginemos, que existe um pavilhão com três campos transversais onde decorrem um treino de andebol com o treinador A, um treino de basquetebol com o treinador B e um treino de voleibol com o treinador C. Durante um mês um grupo de crianças dos 8 aos 1O anos, que nunca praticou nenhuma atividade desportiva, vai experimentar as três modalidades e no final terá de optar por uma das modalidades. Que modalidade vão as crianças escolher e porquê?
Propositadamente, por razões culturais, deixei o futebol de fora e fui buscar três modalidades de pavilhão, que à partida não terão grandes diferenças do ponto de vista de impacto na comunicação social em Portugal.
Que seja do meu conhecimento, uma situação destas nunca foi testada, mas toda a minha vivência com crianças, diz-me que a opção pouco terá a ver com o valor educativo e pedagógico da modalidade, mas com a qualidade de intervenção do professor/treinador. t claro que devemos ficar muito satisfeitos com a riqueza da nossa modalidade, mas para a fidelização das crianças à atividade não é o fator decisivo .
Como costumo dizer, ninguém passa pela vida de uma criança sem deixar uma marca. A principal responsabilidade do jovem ou do adulto que lida com crianças é que essa marca seja para todas as crianças positiva.
Diz-me a experiência e depois do que tenho observado pelo país inteiro, que existem alguns comportamentos que considero desadequados para quem está a ensinar os mais jovens, mas são, na minha opinião e felizmente, uma minoria.
Se do ponto de vista dos conteúdos das aprendizagens, ainda há um longo caminho a percorrer, do ponto de vista do relacionamento, a maioria das pessoas que ensina minibásquete tem uma boa relação com as crianças .
Um dos fatores, pelos quais o minibásquete tem crescido, e se tem cimentado, seja em clubes grandes ou em clubes pequenos, passa pela qualidade de intervenção humana.
Se conseguirmos juntar à riqueza do minibásquete, qualidade na intervenção dos treinadores, teremos mais minibásquete, e mais importante do que isso, crianças mais saudáveis e felizes.”
San Payo Araújo
Obrigado, San Payo araújo. Esperamos que este artigo possa ajudar os pais dar uma oportunidade ao basquetebol, deixamos a pista para uma próxima crónica, que tem a ver com a elevada necessidade da criança experimentar a modalidade o mais cedo possível, para que apreenda os fundamentos que a façam absorver a complexidade deste jogo e ser um atleta competitivo em todos os degraus de formação.
26.abril.2023 – Nuno Antunes